Cada organismo funciona de uma forma e devemos entender que o exercício tem a capacidade de aumentar ou diminuir seu apetite dependendo do tipo de treinamento que você está fazendo e da sua dieta atual. Saber como o exercício afeta a fome pode ajudá-lo a planejar sua nutrição pré e pós-treino, bem como criar estratégias para a ingestão de refeições que aumentem o progresso do condicionamento físico para o qual você está trabalhando.

Fome fisiológica e fome emocional (vontade ou apetite)

  1. Fome fisiológica ou fome propriamente dita. A fome é uma sensação física causada por hormônios e reações químicas que ocorrem quando seu corpo sente que precisa de mais comida. Essa reação pode acontecer por vários motivos. Os sinais que indicam que você está com essa fome é o estômago roncando, sensação de baixa energia, aumento da fome aos poucos, certo intervalo —de pelo menos 3 horas — desde a última refeição, e costuma melhorar com a ingestão de líquidos. Não causa sentimento de culpa e gera saciedade durante a ingestão.
  2. Fome emocional, vontade ou apetite. O apetite é uma reação psicológica que pode ser uma resposta aprendida ou ocorrer devido a gatilhos como tédio, emoções ou conforto. Esses gatilhos podem fazer com que você coma mesmo quando não está com fome. Dentre os sinais, estão a ausência de “aviso” fisiológico (o estômago não ronca e não há sinais de cansaço), surgir de forma repentina e urgente, ser seletiva – contar com desejos específicos, o evento ocorrer atrelado a algum sentimento como ansiedade, tristeza ou euforia, acontecer por tédio, ser próximo à última refeição. Você come e nunca é suficiente, então, a refeição acompanha um sentimento de culpa e você quer abrir a geladeira com frequência sem saber o que quer. 

Um ponto importante a ter sempre em mente é que alimentos ricos em nutrientes que alimentam seu treinamento e ajudam seu corpo a se recuperar após o exercício são vitais. Independentemente dos seus objetivos, focar na qualidade dos alimentos é essencial para um ótimo desempenho e bem-estar.

Hormônios que controlam a fome

Existem vários hormônios e interações hormonais que influenciam na fome. Entender como esses hormônios afetam a fome fornecerá contexto para como diferentes formas de exercício interagem com esses hormônios e, portanto, com a fome. Alguns deles são:

  • Leptina. A leptina é responsável pela saciedade e o seu aumento faz com que o hipotálamo reduza a fome. A leptina é secretada pelo tecido adiposo — gordura corporal — na corrente sanguínea. Em pessoas com excesso de gordura corporal, há um processo chamado resistência à ação da leptina, ou seja, o organismo deixa de entender sua ação.
  • Grelina. A grelina trabalha com o hipotálamo para aumentar a fome. É produzida pelo estômago e intestino delgado quando o estômago está vazio.
  • Adiponectina. É secretada pelas células adiposas e aumenta à medida que seu nível de gordura corporal diminui. Por outro lado, quando os níveis de gordura corporal aumentam, os níveis de adiponectina diminuem.
  • Colecistoquinina. É produzida no intestino delgado durante e após a alimentação, acionando a liberação de bile e enzimas digestivas no intestino delgado, suprimindo a fome e aumentando a sensação de saciedade.
  • Peptídeo YY. O peptídeo YY suprime a fome por cerca de 12 horas após a refeição e é produzido no intestino grosso e delgado.
  • Insulina. A insulina regula os níveis de açúcar no sangue e suprime a fome, sendo produzida no pâncreas.
  • Glicocorticoides. Em quantidades excessivas, aumentam a fome, enquanto uma deficiência de cortisol pode reduzir a fome. Eles são produzidos pelas glândulas supra-renais e têm várias funções, incluindo a regulação da inflamação.

Qual a relação do exercício e da fome? 

Exercício intervalado de alta intensidade (HIIT)

Pesquisas que avaliam os efeitos do exercício intenso sobre a fome evidenciam que uma sessão de HIIT pode reduzir a sensação de fome após o treino. Esse efeito pode não reduzir a ingestão total de calorias no dia do treinamento. Em vez disso, diminui a fome após o treino, de acordo com algumas pesquisas. No entanto, o consenso científico sobre essa teoria é misto.

Um estudo que monitorou os níveis de certos hormônios da fome após formas intensas de exercício mostrou que a grelina e o apetite ficam suprimidos após treinamento contínuo de alta intensidade. Amostras de sangue foram obtidas imediatamente antes e depois do exercício, bem como 30 e 90 minutos após o exercício.

Embora esses efeitos também tenham sido observados em treinamento contínuo de intensidade moderada, eles foram maiores após o treinamento intervalado de sprint. No estudo, a ingestão de energia foi reduzida no dia seguinte ao treinamento contínuo de alta intensidade em comparação com a intensidade moderada e o grupo de controle que não se exercitou. A pesquisa monitorou a ingestão de calorias no dia anterior, no mesmo dia e no dia seguinte ao exercício e revelou uma diminuição na ingestão calórica geral no dia seguinte.

A ingestão compensatória é um fator crítico a ser considerado. O que esse termo significa é se a supressão da fome leva ou não a uma diminuição geral na ingestão de calorias. Se a fome for reduzida, mas não mudar o quanto você acaba comendo ao longo do tempo, isso fará pouca ou nenhuma diferença no seu equilíbrio de calorias.

Exercício moderado

Pesquisas indicam que o exercício moderado tem efeitos significativos sobre a fome, o apetite e o consumo calórico de várias maneiras. Diversos estudos revelaram que a maioria das pessoas não apresenta alterações compensatórias na sensação de fome após realizar exercícios de intensidade moderada.

A prática de exercícios moderados de forma consistente possibilita suprimir o apetite por um período de aproximadamente 12 horas, graças ao aumento do peptídeo YY. Isso significa que o exercício de intensidade moderada, além de queimar calorias e aumentar a taxa metabólica, não causa uma sensação de fome que resulte em um aumento do consumo alimentar. Porém, é importante destacar que se alimentar adequadamente após o exercício é fundamental para restaurar os níveis de glicogênio e promover a recuperação muscular.

Estudos indicam que o exercício moderado tem o potencial de retardar a sensação de fome, embora não reduza a ingestão de alimentos. Porém, também não leva a um aumento na ingestão alimentar em comparação com pessoas sedentárias. Desse modo, se o seu objetivo é criar um déficit calórico, usando exercícios que não serão perdidos comendo mais tarde, se esse for seu objetivo.

No caso de desejar ganhar ou manter peso, ou ainda aumentar o desempenho, pode ser necessário aumentar intencionalmente a ingestão calórica ao praticar exercícios. Adicionar uma quantidade um pouco maior de calorias às refeições regulares, especialmente na forma de proteínas e carboidratos nutritivos, pode ser benéfico para o treinamento e auxiliar no ganho de massa magra.

Treinamento de força

Existem diferentes níveis de intensidade para o treinamento de força, que variam de leve a moderado e intenso, dependendo do tipo de treinamento realizado. Por exemplo, ao realizar treinamento de resistência com séries mais longas e repetições múltiplas usando pesos mais leves, a frequência cardíaca pode não aumentar significativamente. Por outro lado, o powerlifting com pesos mais pesados, pode elevar a frequência cardíaca quase ao máximo.

Em contrapartida, o treinamento de força difere do treinamento cardiovascular convencional, pois tende a causar microlesões adicionais nas fibras musculares, em comparação com outros tipos de exercícios. Essas lesões são necessárias para fortalecer os músculos.

Alguns estudos sugerem que o treinamento de força pode aumentar consideravelmente o apetite, enquanto outros indicam que não há um aumento significativo na ingestão calórica. Se o seu objetivo é construir músculos e aumentar a massa magra, é provável que você precise fazer um esforço consciente para consumir mais calorias. Isso não apenas auxilia na formação de novos tecidos, mas também compensa as calorias queimadas durante o treinamento.

Embora seja menos comum, é possível desenvolver músculos e perder gordura simultaneamente, especialmente para aqueles que estão começando no treinamento de força. Nesse caso, é necessário criar um pequeno déficit calórico, certificando-se de consumir proteína suficiente para sustentar o desenvolvimento dos tecidos musculares.

E como isso influencia no seu treino…

Acrescentar exercícios ao seu estilo de vida traz muitos benefícios à saúde e ao bem-estar, que vão além do peso corporal. No entanto, é importante ressaltar que você também pode ter metas específicas relacionadas ao seu peso, tais como reduzir a gordura corporal, aumentar a massa muscular, melhorar o desempenho ou manter o peso atual.

  • Ganho de peso e construção muscular. Se o seu objetivo é manter ou aumentar o peso corporal, é provável que seja necessário aumentar sua ingestão calórica ao adicionar exercícios à sua rotina, para compensar as calorias perdidas durante o treinamento. Para construir músculos e aumentar sua massa magra, é essencial o aumento da ingestão calórica, especialmente focando na obtenção de proteínas adequadas. Você pode tentar adicionar um pouco mais de comida em cada refeição ou incluir uma refeição extra, como um lanche pós-treino. Priorize alimentos ricos em nutrientes que promovam o desempenho, especialmente carboidratos complexos e proteínas magras. Exemplos de alimentos saudáveis a serem adicionados incluem ovos, peixes, tofu, frango, cortes magros de carne bovina, feijões e legumes, pães integrais, vegetais ricos em amido, batata-doce, aveia e quinoa.
  • Redução de gordura corporal. O exercício, quando incorporado ao seu estilo de vida, pode levar à perda de peso e ajudar a mantê-la, especialmente quando combinado com uma dieta nutritiva e equilibrada. Se o seu objetivo é perder peso, reduzir a gordura corporal e manter o peso, o exercício é uma excelente maneira de alcançar essas metas. O treinamento de resistência, em particular, pode reduzir a perda de massa muscular e a diminuição do metabolismo que podem ocorrer durante a perda de peso. Caso esteja tentando perder peso, mas a balança não mostre o progresso esperado, lembre-se de que é possível perder gordura corporal enquanto preserva ou até ganha massa muscular magra. Esse efeito, conhecido como recomposição corporal, é mais comum em iniciantes no treinamento de força, mas também pode ser alcançado por pessoas mais experientes, desde que haja uma ingestão adequada de proteínas.

O exercício é um excelente complemento para qualquer estilo de vida, pois oferece proteção contra doenças e melhora o bem-estar geral. É compreensível ter preocupações sobre como o exercício pode afetar seu apetite. No entanto, se o seu objetivo é perder peso, você pode se preocupar com a fome provocada pela prática de exercícios. A boa notícia é que as evidências apontam o contrário.

Se o seu objetivo é manter ou aumentar o peso corporal, possivelmente com foco na construção de massa muscular magra, pode ser necessário adicionar calorias deliberadamente à sua dieta para obter resultados. Independentemente do seu objetivo, certifique-se de alimentar seu desempenho com alimentos nutritivos e priorize a obtenção de proteínas adequadas. Se você estiver com dúvidas, um nutricionista ou nutricionista esportivo pode ajudá-lo a desenvolver um plano alimentar saudável e personalizado que atenda às suas necessidades.

*O conteúdo dessa matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.

Referências Bibliográficas

Vandré Casagrande Figueiredo & David Cameron-Smith (2013) Is carbohydrate needed to further stimulate muscle protein synthesis/hypertrophy following resistance exercise?, Journal of the International Society of Sports Nutrition, 10:1, DOI: 10.1186/1550-2783-10-42
Diana Cruz-Topete, John A. Cidlowski; One Hormone, Two Actions: Anti- and Pro-Inflammatory Effects of Glucocorticoids. Neuroimmunomodulation 1 September 2014; 22 (1-2): 20–32. https://doi.org/10.1159/000362724
Cooper, J. (2014). Factors affecting circulating levels of peptide YY in humans: A comprehensive review. Nutrition Research Reviews, 27(1), 186-197. doi:10.1017/S0954422414000109
Achari AE, Jain SK. Adiponectin, a Therapeutic Target for Obesity, Diabetes, and Endothelial Dysfunction. International Journal of Molecular Sciences. 2017; 18(6):1321. https://doi.org/10.3390/ijms18061321
Douglas, J., King, J., Clayton, D. et al. Acute effects of exercise on appetite, ad libitumenergy intake and appetite-regulatory hormones in lean and overweight/obese men and women. Int J Obes 41, 1737–1744 (2017). https://doi.org/10.1038/ijo.2017.181
Islam H. The effects of exercise intensity on acylated ghrelin, active glucagon-like peptide-1, and appetite: examining the potential involvement of interleukin-6. Theses and Dissertations (Comprehensive).
Dorling J, Broom DR, Burns SF, Clayton DJ, Deighton K, James LJ, King JA, Miyashita M, Thackray AE, Batterham RL, et al. Acute and Chronic Effects of Exercise on Appetite, Energy Intake, and Appetite-Related Hormones: The Modulating Effect of Adiposity, Sex, and Habitual Physical Activity. Nutrients. 2018; 10(9):1140. https://doi.org/10.3390/nu10091140
Ralf Jäger, Chad M. Kerksick, Bill I. Campbell, Paul J. Cribb, Shawn D. Wells, Tim M. Skwiat, Martin Purpura, Tim N. Ziegenfuss, Arny A. Ferrando, Shawn M. Arent, Abbie E. Smith-Ryan, Jeffrey R. Stout, Paul J. Arciero, Michael J. Ormsbee, Lem W. Taylor, Colin D. Wilborn, Doug S. Kalman, Richard B. Kreider, Darryn S. Willoughby, Jay R. Hoffman, Jamie L. Krzykowski & Jose Antonio (2017) International Society of Sports Nutrition Position Stand: protein and exercise, Journal of the International Society of Sports Nutrition, 14:1, DOI: 10.1186/s12970-017-0177-8
King JA, Wasse LK, Stensel DJ. Acute exercise increases feeding latency in healthy normal weight young males but does not alter energy intake. Appetite. 2013;61:45-51. doi:10.3389/fnhum.2019.00162
Greg Paul & Garry J. Mendelson (2015) Evidence Supports the Use of Soy Protein to Promote Cardiometabolic Health and Muscle Development, Journal of the American College of Nutrition, 34:sup1, 56-59, DOI: 10.1080/07315724.2015.1080531
Jafari A, Peeri M, Azarbayejani M, Homai H. Effect of Resistance Training on Appetite Regulation and Level of Related Peptidesin Sedentary Healthy Men. mljgoums 2017; 11 (4) :24-29
Rehfeld JF. Cholecystokinin--from local gut hormone to ubiquitous messenger. Front Endocrinol (Lausanne). 2017;8:47. doi:10.3389/fendo.2017.00047
Obradovic M, Sudar-Milovanovic E, Soskic S, et al. Leptin and obesity: role and clinical implication. Front Endocrinol. 2021;12:585887. doi:10.3389/fendo.2021.585887
Al-Zubaidi A, Heldmann M, Mertins A, et al. Impact of hunger, satiety, and oral glucose on the association between insulin and resting-state human brain activity. Front Hum Neurosci. 2019;13:162. doi:10.3389/fnhum.2019.00162
Douglas JA, King JA, McFarlane E, et al. Appetite, appetite hormone and energy intake responses to two consecutive days of aerobic exercise in healthy young men. Appetite. 2015;92:57-65. doi:10.1016/j.appet.2015.05.006
King JA, Wasse LK, Stensel DJ. Acute exercise increases feeding latency in healthy normal weight young males but does not alter energy intake. Appetite. 2013;61:45-51. doi:10.1016/j.appet.2012.10.018
Müller TD, Nogueiras R, Andermann ML, et al. Ghrelin. Mol Metab. 2015;4(6):437-460. doi:10.1016/j.molmet.2015.03.005
Peake JM, Neubauer O, Della Gatta PA, Nosaka K. Muscle damage and inflammation during recovery from exercise. Journal of Applied Physiology. 2017;122(3):559-570. doi:10.1152/japplphysiol.00971.2016
Barakat C, Pearson J, Escalante G, Campbell B, De Souza EO. Body recomposition: can trained individuals build muscle and lose fat at the same time? Strength & Conditioning Journal. 2020;42(5):7-21. doi:SSC.0000000000000584
Van Vliet S, Shy EL, Abou Sawan S, et al. Consumption of whole eggs promotes greater stimulation of postexercise muscle protein synthesis than consumption of isonitrogenous amounts of egg whites in young men. Am J Clin Nutr. 2017;106(6):1401-1412. doi:10.3945/ajcn.117.159855